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Deborah Goldemberg
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Insurgência Crônica

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O pintinho ciscava, cisc, cisc, cisc, aparentemente em círculos, cisc, cisc, cisc, sem se dar conta de que seus irmãos pintinhos e sua irmã vagininha iam se distanciando, cisc, cisc, cisc. De repente, piu, piu, piu, o pintinho piava aparentemente ao léu, piu, piu, piu, em tom crescentemente desesperado, piu, piu, piu, sem se dar conta de que sua mamãe galinha já estava longe demais para ouvi-lo, ocupada com seu próprio cisc, cisc, cisc, e aquele dos parentes do entorno.

Foi quando uma criança pequena disse “mamãe, mamãe, mamãe”, o pintinho está sozinho, cadê a mamãe dele? Como os humanos são mais evoluídos do que todas as aves, será, será, será, a mamãe disse “ah, tadinho, tadinho, tadinho”, recolheu o pintinho perdido e recolocou-o ao lado dos irmãozinhos. Foi cisc-cisc pra cá, ai que fofinho pra lá, cisc-cisc, ai que fofinho, cisc-cisc, ai que fofinho, até que a festa passou e tudo começou de novo.

O pintinho ciscava, cisc, cisc, cisc, aparentemente em círculos, cisc, cisc, cisc, sem se dar conta de que seus irmãos pintinhos e sua irmã vagininha iam se distanciando, cisc, cisc, cisc. De repente, piu, piu, piu, o pintinho piava, aparentemente ao léu, piu, piu, piu, em tom crescentemente desesperado, piu, piu, piu, sem se dar conta de que sua mamãe galinha já estava longe demais para ouvi-lo, ocupada com seu próprio cisc, cisc, cisc, e aquele dos parentes do entorno.

A mamãe e o papai da criança, blá, blá, blá, já haviam até se esquecido do pintinho do cisc, cisc, cisc, quando a criança insistiu “mamãe, mamãe, mamãe, o pintinho está sozinho de novo!”. Mamãe blá, blá, blá não ouviu e a criança tentou “papai, papai, papai, o pintinho está sozinho de novo!!!”. “Hein, hein, hein, de novo essa história de pintinho, filha? Xá-pra-lá, xá-pra-lá, xá-pra-lá, ele há de encontrar a galinha ou, então, outro tipo de destino”. Mas a criança abriu o berro, buá, buá, buá, “o pintinho está perdido da mamãe dele buá, buá, buá”. Rá, rá, rá, os pais sentiram até uma ponta de orgulho, mas como se livrar daquele pintinho perdido?

“Pula, pula, pula, vamos no pula-pula, filha?”.  “Buá, buá, buá, mas e o pintinho perdido?”. Os narizes dos pais ameaçaram crescer, óquio, óquio, óquio, e a mamãe arriscou dizer que a galinha voltaria para pegá-lo depois, mas o papai, avesso a contos de fadas, disse “ná, ná, ná, sem mentiras, o pintinho talvez fiquei sozinho, filha”. “Buá, buá, buá, vocês têm que colocar o pintinho junto da mamãe dele!”. “Rá, rá, rá, mas, filha, não podemos passar o dia inteiro aqui”. “Por que não, mamãe? O pintinho está perdido!”. “Sim, mas tantos de nós estamos perdidos e um pintinho é apenas um pintinho e há tantos outros pintinhos no mundo – que diferença fará salvarmos um pintinho?”. “Vamos levá-lo para casa?”. “Não, não, não, ele só vai morrer em casa e será pior”, alerta, alerta, alerta o pai. “Não, não, não, mamãe, o pintinho quer a mamãe dele, a mamãe dele, a mamãe dele!”.  

Lá se vão os pais examinar o tal pintinho que atrapalhava o passeio no parque. Olharam, olharam, olharam e o diagnóstico era óbvio. O pintinho era cego. “Cego? Cego. Cego? Como assim?”. “Cego, filha, o pintinho não enxerga, por isso, ele se perde, perde, perde. Vai sempre ser assim”. “Mas a mamãe dele, por que ela não vem buscar ele?”. “Porque… Porque… Porque… Poxa, filha, que difícil… Na natureza, às vezes as coisas são assim”. “Assim como?”. “Assim – um bicho doentinho fica para trás mesmo”. “Para trás? Para trás. Até quando para trás?”. “Para sempre para trás”. “Para sempre para trás? Até quando é para sempre para trás?”. “Até sempre”. “Sempre?”. “Sempre, sempre, sempre, o infinito”. “Não entendo, mamãe!”. “Filha, o pintinho vai morrer”. “Morrer? E a mamãe dele?”. “Ele é fraquinho demais para acompanhar seus irmãos e a mamãe dele não tem como dar atenção especial para ele, senão ela e os outros pintinhos vão morrer também, assim como os filhotes que nasceriam deles e assim por diante e, eventualmente, a espécie inteira das galinhas”. “Que tragédia!”. “Mas é assim, você quer que eu minta pra menina?”. “O que é tragédia, mamãe?”. “Tragédia, filha, é a vida. A vida é assim, vai e vem num ciscar de olhos, cisc, cisc, cisc”. Todos se calaram, até o pintinho.

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