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Deborah Goldemberg
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Insurgência Crônica

Os plantadores de nabo

Nunca tinha nem pensado no que fazem as pessoas que nascem para fazer algo que não dá dinheiro, como os plantadores de nabos. Não falo de plantadores de qualquer nabo, mas de nabos perfeitos. Imagine só fazer algo muito bem e amar plenamente o que se sabe fazer, mas… há apenas tantos nabos que as pessoas querem comer ou, melhor dizer, nem tantos assim, ainda mais perfeitos. Eu mesmo nunca havia provado um nabo até ouvir o papo do pessoal sentado ao meu lado no bar. Não consegui nem disfarçar minha curiosidade sobre tal paixão vegetal. Gregários que são, eles me convidaram para experimentar uma cerveja de nabo, o que obviamente eu jamais havia provado e nem sabia que existia.

A mais exótica das plantadoras de nabos carregava uma espécie de ninho caramelizado na cabeça (não sei ao certo se era seu cabelo natural) e me contou que havia se tornado nômade após uma experiência midiática desgastante que passou com seus nabos. Disse que agora trabalhava em bares para garantir seu pão, mas que sua vontade era passar um tempo jogando xadrez em Alto Paraíso e, eventualmente, ir embora de vez para outras terras. Tocar sanfona em Paris, foi o que disse. “Mas, então, qual é o lugar dos nabos na sua vida hoje?”, perguntei. E ela me olhou como se tivesse se desgarrado do seu amor maior e respondeu aliviada: “Ah, eu sou da vida”.

Ao seu lado, jazia um plantador de nabos mais persistente. Ele não desistiria nunca, declarou, e opinou que o segredo é ser maleável. “Se as pessoas não querem nabos, não adianta insistir. Elas preferem sempre as batatas, não há dúvida. O que faço? Vendo-lhes as batatas e acabo incluindo uns nabos aqui e ali. Sinto-me grato por continuar trabalhando com tubérculos e crucíferos”. O que ele jamais faria, e nessa hora esbravejou, era trabalhar com cenouras: “As pessoas pensam que tudo o que cresce debaixo da terra é igual, mas as apiáceas (família das cenouras, aparentemente) são o limite. Seria como fazer um filme pornô! Tenho minha reputação a zelar”. Pareceu-me um cara razoável, apesar das especificidades.

A moça ruiva ao seu lado manteve seus olhos reclusos atrás de óculos escuros, mas sua voz disse que ela era professora e um silêncio recaiu na mesa. “Eu gosto de ensinar as crianças a plantarem nabos perfeitos e sei que faço isso muito bem”. Silêncio. “E sei que as pessoas acham que quem resolve ensinar é porque não sabe plantar nabos, mas eu não me importo. Conheço muitas pessoas que fazem sucesso vendendo nabos que não são nem perto de perfeitos e eu sei que sei ensinar”. Após esse argumento redondo, todos a apoiaram: “De fato, ser professor é a profissão mais nobre. O que seria do futuro se os pequenos não aprendessem a apreciar um nabo perfeito? Jamais haveria mais apreciadores de nabos!”.

O papo deles era estranho, me dava conta disso. Particularmente para um cara padrão como eu, que mal provara um nabo e os considerava perfeitamente substituíveis por inhames ou carás. Não ousaria dizer ali, mas acho cenouras infinitamente mais saborosas. Enfim, o mundo é de tal forma diverso que resolvi ouvir a última dentre eles. Essa, cabeluda feito uma ovelha, foi logo dizendo que havia desistido dos nabos. Os outros ficaram chocados: “Como assim?”. “Assim. Além de nabos perfeitos, sei fazer cadeiras confortáveis e resolvi me dedicar a isso. Dá mais dinheiro!”. Era uma desertora! O fiel plantador de nabos insistiu: “Devemos pensar em plantar nabos juntos. Se unirmos nossas forças faremos nabos inesquecíveis”.

Não sei se foi cantada ou intenção nabal sincera, mas aquela foi a minha deixa. Pedi licença alegando que não me sentia bem, o que de fato era verdade. Uma tontura estranha me assolava. Prometi que incluiria os nabos nas minhas saladas a partir daquele dia para ajudá-los, quero dizer, porque eram tão maravilhosos. Disse tudo isso e saí pelas ruas em busca de ar. Foi então que percebi que onde devia haver carros havia abóboras. Percebi isso apenas porque o encanto agora se desfazia – as abóboras voltavam a ser carros – o que significava que até pouco tempo eu devia estar sob o efeito de alguma droga? Seria a cerveja de nabo?

Curiosamente, minha maior preocupação ao me dar conta de que os carros haviam se transformado em abóboras foi saber quem eram, então, os plantadores de nabos. Esperei o efeito do que quer que fosse passar e quando a rua das abóboras voltou a ser apenas a Alameda Santos, corri de volta para o bar.

Na mesa onde me sentara com os plantadores de nabos havia as mesmas pessoas – os plantadores de nabos – mas só que elas falavam de outro assunto completamente diferente. Algo sobre como as pessoas neste país não apreciam a arte verdadeira, apenas o entretenimento, me sentei na mesa ao lado, discretamente, e fiquei ouvindo. Não ouvi a palavra nabo dita nem mesmo uma vez. Ao que pude averiguar eram artistas – uma música, um cineasta, uma atriz e uma escritora.

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