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Deborah Goldemberg
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Insurgência Crônica

A corrupção do sorriso

Toda vez que minha filha recém-nascida sorri para mim (passada a era dos reflexos, claro!), eu me emociono. Seu sorriso é tão ensolarado que irradia alegria por seu rostinho. Confesso que isso chegou a me desconcertar. Logo vi que minha mente adulta não estava sabendo lidar com aquilo…

Comecei a me recordar dos sorrisos com os quais estava acostumada.

Ainda na escola, os sorrisos começam a perder os “sor” e tornarem-se apenas risos. Estridentes eram os que ressoavam das crianças mais fortes e desenvoltas, utilizados contra as mais fracas e tímidas. Um tropeção, uma roupa fora de moda, aparelho nos dentes ou a resposta errada para uma pergunta da professora eram o bastante para desencadeá-los.

Na adolescência, com o desenvolvimento do intelecto, foram surgindo novas modalidades. O riso irônico, que desprezava a simplicidade. Os risos metálicos nos teatros e filmes Cult, produzidos para mostrar que seu emissor entendeu aquela piada sutil ou aquele intertexto que remete ao filósofo alemão Habermas. Ah, sim, me desculpe, você nunca ouviu falar dele…

Em seguida, apareceram os sorrisos de sedução. Combinados com “olhares 43”, na balada eles eram infalíveis. Inspirados nas propagandas de xampu da TV (aquelas dos cabelos ultrassedosos) ou nos filmes de Hollywood, no ângulo que Marilyn e Gisele difundiram amplamente, tornaram-se armas para chegarmos naquele garoto e, depois, naquele outro ainda mais gato.

Na vida adulta, rir para não chorar tornou-se até ditado. No banco, no salão de cabelereiros ou na fila do correio. Quantos sorrisos de conveniência distribuímos diariamente? Mesmo quando nossa vontade é gritar: “Garçom, cadê a porcaria de minha comida!”. Parecendo um pangaré voltando para a coxia, o sorriso plástico se faz automaticamente nos nossos lábios, mera estratégia por um atendimento melhor.

Mas nem todos os sorrisos corrompidos são do mal…

Existem os que distribuímos aos amigos e parentes quando eles nos contam de suas desventuras. Não foi escolhido para o emprego? Tumor no esôfago? Aumento no preço do condomínio? Seu marido está tendo um caso na internet? Ah, não ligue… (sorriso!). Se eles não te escolheram, é porque não te merecem. Fique tranquilo que metade da população mundial tem esses cistinhos. Amiga, pelo menos, de amante virtual não se pega doença!

No trabalho, é comum sorrirmos para o manobrista, o porteiro, a recepcionista, a secretária, a moça do café e, principalmente, para os colegas com os quais convivemos dia após dia sem termos absolutamente nada em comum. Não deixa de ser um gesto bonito usarmos o sorriso desta forma adaptada, para tornar mais agradável o dia a dia de todos.

Há ainda os sorrisos poéticos. Sabe aquele do fim do dia, quando estamos faz horas no trânsito tentando chegar em casa? Nosso olhar vidrado no céu cinza, de repente, se depara com o do motorista do carro ao lado, olhando para você com desânimo e por pura falta de opção. Na compreensão mútua de estarem vivendo um infortúnio, sorrimos singelamente.

Há sorrisos e sorrisos ao longo da vida, mas nenhum é igual ao da minha filha. Sua pureza é o que o torna desconcertante – é sorriso por si só, não um meio para algo. Ao longo dos anos que vivi até tê-la, havia me esquecido deste, o verdadeiro. Agora, nas madrugadas, anseio por vê-la borboleta, sorrindo no seu despertar. Quem sabe, a alegria que reluz dela me ajuda a resgatar essa emoção perdida e eu possa reaprender a, simplesmente, sorrir.

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