Nadando contra a COPA
As carpas são conhecidas por serem peixes que nadam contra a correnteza. Hoje, eu fui uma carpa! Bem na hora do jogo Brasil vs Chile, eu e meu marido pegamos nossas bicicletas e fomos aproveitar o excepcional vazio das ruas de São Paulo para darmos um passeio por lugares além da ciclovia de domingo. Nós, que não curtimos futebol, mas somos assolados pela máquina midiática da Copa faz semanas, ousamos fazer um programa diferente neste horário marcado para os jogos do Brasil, contra tudo e contra todos.
Na porta de casa, mal pudemos acreditar! A frente do clube que está sempre repleta de táxis e carros de pais em filas duplas e triplas para pegarem seus filhos estava desértica. Comemoramos fazendo ziguezagues bem no meio da rua! Seguimos em frente e nada de trânsito. Nem o Shopping Center que se considera o dono do bairro causava tumulto com o seu estacionamento sempre lotado. Nas calçadas, apenas os seguranças escalados (de má vontade) para protegê-lo contra os ladrões mais estratégicos. Afinal, Copa do Mundo deve ser uma boa hora para pegar os desavisados de assalto!
Resolvemos arriscar a Avenida Faria Lima, que é uma das artérias da metrópole. De longe, vimos que os ônibus amarelos não tinham parado de circular. Deixamo-nos passarem e, num momento de êxtase, ganhamos o coração da avenida. Nunca antes havíamos tido essa oportunidade de pedalarmos bem na faixa do meio! Antes, apenas timidamente o fazíamos pela faixa da direita, com medo de sermos atropelados por carros e motos mais ágeis do que nós. Rimos a toda, pois hoje éramos os donos das ruas e do bairro. Nem o clube, nem o shopping, nem os carros, foi o nosso carnaval!
Nossa surpresa foi ver que não estávamos tão sozinhos como esperávamos. Os pontos de ônibus estavam cheios e pessoas caminhavam pelas ruas vestidas de bege ou cor-de-rosa, sem os esperados amarelos ou verdes. Estariam doentes? Um músico carregava o seu violão. Uma mãe levava as filhas para algum lugar. Nenhum indicativo de loucura neles. Um homem com cara de choro passou por nós, este sim devia ter brigado com a namorada no dia errado. Duas mulheres conversavam sobre nada na calçada. Médicos entravam na maternidade para fazerem nascer os bebês. Vimos até um ciclista solitário. Sim, há vida além da Copa. Mais do que isso, há muita gente que não está nem aí para a competição internacional de futebol.
De repente, quando subíamos para a Vila Madalena, vieram os gritos alucinantes. Era o primeiro gol. Nesta hora, confesso que fiquei curiosa. Quem será que o marcou? Luis Fabiano? Robinho? Sim, após essas semanas, confesso que até sei que o jogador Juan está perfeito na Copa, apesar de não ser um atacante. Assim como a expulsão de Kaká e a briga de Dunga com o jornalista da Globo, muitas informações sobre a Copa do Mundo se infiltraram no meu universo blindado de interesse pelo tema. Para vocês terem uma ideia, eu até sei que a avó de Kaká sempre acreditou nele e deu-lhe sua primeira bola, muito além daquela coisa batida de ele ser evangélico, sua mulher ser pastora e eles terem se casado virgens.
Logo veio o intervalo e motoristas tomaram as ruas enlouquecidos para chegarem ao próximo bar ou irem para a casa de outro amigo, nos recordando de que não seríamos livres para sempre. Um deles quase nos atropelou! A liberdade nos atordoa e, por um instante, eu não dei atenção ao sinal vermelho. Resolvemos encostar por um instante. Foi quando passou um carro repleto de homens de meia idade gritando para a gente: “Chupem, seus chilenos!”. Na visão deles, não poderíamos ser brasileiros.
Tudo bem. Ostracisados pelos torcedores ou não, nós tivemos o nosso momento. É disso que o mundo precisa, espaço para todos, de todas as vertentes. Enquanto a maior parte de São Paulo assistia à Copa do Mundo, passeamos livres pelas ruas de São Paulo com nossas bicicletas ecológicas e ainda pudemos nos deparar com tantas pessoas que, como nós, não estão “nem aí” para o jogo do Brasil vs Chile. Estavam cuidando de suas vidas, sem ilusões ou empolgações fugazes. Somos as carpas da Copa e somos muitas!