Crônica: Sujeito, verbo e objeto
Devia ter uns dez anos, no máximo, quando essas três palavras passaram a fazer sentido para mim. Como quem desvenda um código matemático, eu entendi o significado da estrutura sintática básica da nossa língua e passei a identificá-la em qualquer frase ou texto que lesse. Eventualmente, mesmo quando elas apareciam invertidas de propósito, como quando um escritor quer dar mais importância ao objeto do que ao sujeito. Com o tempo, um parágrafo podia conter uma série de sujeitos e objetos amontoados sem verbo algum por perto, com apostos entremeados, que eu conseguia inferir que o que o autor queria era despir o texto de ação, de erguer uma disputa simbólica entre sujeitos e objetos.
Sei que nem todos os que estão lendo isso estão entendendo exatamente o que estou dizendo, porque nem todos desvendaram o código sintáxico aos dez anos, nem aos vinte e muito menos depois disso, afinal, a vida é para ser vivida e não analisada. O sistema educacional brasileiro, público ou privado, bem, ele deixa dessas lacunas. Ou, talvez, seja da disposição de cada um desvendar códigos linguísticos ou matemáticos, como a minha amiga que preferiu virar física nuclear. Oportunidade ou talento, ou ambos, há 90% de chance de nem todo mundo entender a relação entre o sujeito, o verbo e o objeto. Por isso, resolvi escrever essa crônica. Também, porque duas dessas palavras, nos dias de hoje, precisam tanto ser compreendidas.
Sujeito sou eu. Quando eu começo a frase “Devia ter uns dez anos no máximo…”, eu sou o sujeito, mas perceba que opto por permanecer oculto. Você deve se lembrar do famoso sujeito oculto ter caído em alguma prova. Pois bem. O sujeito parece fácil, mas você sabe quem é você? No caso exemplificado mesmo, mesmo o sujeito sendo eu, a autora da crônica, quem sou eu de verdade? Bem, apesar dos anos de análise e reflexão filosófica, eu não estou nem na metade de entender exatamente quem eu sou e, além disso, quando eu escrevo as minhas crônicas, utilizo um “eu lírico”, que é um eu particular que oscila entre um alter ego e um personagem inventado que me possibilita escrever essa crônica da melhor forma possível. Por exemplo, aqui, você está bem convencido de que eu sei tudo sobre gramática e, bem, melhor que você continue achando isso, para o bem da crônica.
Verbo é a ação. Talvez esse seja o conceito mais fácil dos três. Quando eu digo que os conceitos “passaram a fazer” sentido quando eu tinha dez anos, estou falando da ação transformadora da frase. Passar a fazer poderia ser substituído por um verbo simples (como, quando eu “descobri” o sentido dos três conceitos). De uma forma ou outra, estamos falando de quando a ignorância se desfez e tudo pareceu fazer sentido. O verbo é o conceito mais fácil de se relacionar, porque na vida ele é o refúgio dos que não sabem quem são e não conseguem se relacionar com o outro (que é essência do objeto). Assim, todos os dias: corremos, falamos, telefonamos, comemos, brigamos, estacionamos, pagamos, compramos, empurramos… coisas fáceis assim, para evitar o confronto consigo e com o outro.
O objeto é o maior desafio de nossa época. O egocentrismo generalizado nos impulsiona a pensarmos em nós mesmos o tempo todo, isto é, no sujeito de cada frase, mas quem está se lixando para o objeto da estrutura sintáxica? “Eu amo você” é a frase mais dita, mas quantos de nós sabemos quem é o objeto da frase – o você – que está diante de nós no café da manhã ou no happy hour? Se nem mesmo sabemos quem somos? De que matéria é feita o outro? O que o outro pensa? Tudo bem quando temos uma frase simples, do tipo “Eu comprei chicletes”, em que o objeto – chicletes – é inanimado e desprezível. Dane-se o chiclete. Mas quando dizemos que “O Brasil (sujeito) nunca respeitou (verbo) os povos indígenas (objeto)” – será que percebemos o que estamos falando? Quem são esses povos? Quantos são? Por que existem? Como existem? Não. Nem nos atentamos a isso. O objeto, portanto, é o elemento sintáxico mais desafiador da história. Precisamos urgentemente nos atentarmos ao objeto e tentarmos que os objetos das nossas frases possam ser sujeitos na vida.
Pode parecer complexo, meus caros, mas, depois de sacar o funcionamento desses três conceitos, algo que deveria ter acontecido aos dez anos, verdade seja dita (porque mesmo para ser um grande físico é importante saber que “Eu (sujeito) não devo lançar (verbo) uma bomba atômica nos cidadãos japoneses (objetos)”), tudo fica muito fácil mesmo. Então, podem surgir infinitos apostos, vírgulas, pontos e vírgulas, travessões e várias sortes de estilos literários que extrapolem os limites dessa lógica, que ela irá ainda permitir nos comunicarmos. Em suma, mesmo na grande nébula, é possível se manter altivo quando se conhece a si mesmo, ao outro, e se sabe das ações que se devem permitir entre si e o(s) outro(s). Hora do recreio!