Crônica sobre a crônica
Uma das coisas engraçadas sobre publicar crônicas é que alguns leitores as levam a sério! Os comentários vêm repletos de opiniões e julgamentos sobre as situações contidas nas crônicas, porém a maior parte delas nunca aconteceu. Eu não tenho um vizinho que foi linchado por lavar a calçada e, apesar de ter tido uns amigos meio porquinhos na faculdade, nem todos os ingleses compartilham a água da banheira com quatro pessoas. São situações extremas, imaginárias ou não, que cabem bem no meu gênero literário favorito – a crônica. Como dizia o mestre: “A crônica não é aguda”.
Então, para os que não sabem exatamente a diferença entre uma crônica, um artigo, um conto ou até um post, eis uma chance de aprender. A crônica é um gênero literário que deriva das cronologias que eram publicadas em jornais ingleses, mas que ganhou popularidade nos trópicos quando os registros das viagens dos grandes “exploradores” foram além de notificar o surgimento de pássaros exóticos e começaram a servir para colher impressões e registrar opiniões. Por ser uma prática cotidiana e semelhante ao diário pessoal, o tom da crônica é o de alguém que fala como quem não quer nada, mas claro que quer…
A informalidade dos textos de crônica faz com que muitos literatos a considerem um gênero literário menor ou nem considere literatura. Para desafiá-los, surgiram os grandes cronistas, como Rubem Braga (o mestre), que fez todos rirem e chorarem. Talvez tenha sido por causa dele que o Brasil tenha se tornado o país da crônica? Sabiam que em nenhum outro lugar do mundo a crônica literária se tornou tão praticada e popular? Talvez porque sejamos um povo que gosta de um bom papo? Talvez porque leiamos mais jornais e blogs do que livros? Não sei ao certo, mas é fato que dia após dia os brasileiros se emocionam com as crônicas.
É isso que se quer com a crônica – emocionar. Sem os recursos de enredos ou personagens, quase sempre a partir de uma situação corriqueira, de repente, surge algo especial, curioso ou destoante. Um mendigo que distribui esmolas ou um casal feliz na hora do rush no Metrô Sé desafia o nosso olhar viciado da vida. Sim, hoje o mendigo age ao contrário do esperado (se isso aconteceu ou não, é irrelevante) e um casal consegue ser feliz esmagado pela multidão do metrô (o que, certamente, não aconteceu!). Esse deslocamento é a origem da crônica. Ao ler algo assim, o fluxo da rotina estanca e o leitor volta a sentir algo primordial – a emoção.
Na próxima vez em que estiver surfando a net e ficar na dúvida se um texto é artigo ou crônica, basta estar consciente do que ele evoca em você. Se é um texto sobre a crise hídrica que aponta as causas do problema e propõe soluções consistentes (ou idiotas) – é artigo. Se é um texto sobre a crise hídrica que tira um sarro da situação e te faz rir do ridículo que nossa vida sem água se tornou – é crônica. Pensamento lógico e linear, postura crítica e construtiva – artigo. Pensamento irregular e descompassos sutis que te envolvem emocionalmente e elevam a questão a outro plano – crônica. Não tem erro. E aí? Artigo ou crônica?
1 COMENTÁRIO
Deborah,
Sou uma devoradora de crônicas, já gostei do seu blog, vou lendo e apreciando aos poucos. Beijos