Whatslove?
Os aplicativos transformam a forma de nos relacionarmos com as pessoas, isso é fato. Na verdade, a tecnologia o faz. Desde a criação do telégrafo, quando passou a ser possível um vaqueiro enviar uma mensagem para sua esposa dizendo que estaria chegando em casa dentro de três meses, para o início do inverno, esses meios de comunicação começaram a aproximar as pessoas, antecipar seus movimentos e, também, inaugurar novas formas de amar.
Eu, particularmente, adoro o que o surgimento das cartas fez do amor – a possibilidade de continuar um fluxo de conversa intensa na distância, às vezes, até aprofundando os sentimentos de uma maneira que não seria possível no convívio diário ou na ausência total. Alguns dos meus livros favoritos são romances epistolares!
Hoje em dia, a tecnologia que multiplicou o potencial do telégrafo e das cartas em, ao menos, mil vezes, é o WhatsApp. Através desse aplicativo “inofensivo”, é possível conversar com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo dia e noite – de graça. Acho que poucas vezes a gente se dá conta do que isso faz conosco. Por um lado, ela proporciona a possibilidade de sempre estar juntos. A qualquer instante. Para compartilhar grandes novidades ou o que está se comendo no almoço.
O revés disso é que ela também sinaliza, às vezes dolorosamente, quando a pessoa está optando por não estar com você o tempo todo (mesmo quando está online!). Há ainda os momentos tenebrosos em que a outra pessoa “some”, seja porque entrou numa zona sem internet ou foi dormir ou nadar no mar ou… sabe-se lá? Qual foi a última vez que ela visualizou? Quem nunca foi verificar esse recurso com o coração na mão? Enfim, tem sido assim a possibilidade sem precedentes de estar junto o tempo todo e saber quando não se quer estar.
Acompanho com interesse como essa possibilidade impacta os namorados e amantes. Chamou-me atenção a história da antiga babá da minha filha (uma moça de 21 anos), que me contou que namorava um rapaz há três anos, mas que o havia visto apenas uma vez. Como assim? Ouvi com surpresa quando ela me contou que eles se falavam por WhatsApp dia e noite, há três anos, mas nunca se viam. Por que não se viam? Ela me explicou de modo convicto: porque ele trabalha muito e mora do outro lado da cidade.
Para minha cabeça de antigamente, isso não fazia sentido. Ele tem outra, então?, perguntei. A namorada real? Ela negou até o fim. Disse que seria impossível, porque, além de ele passar o dia todo com ela no WhatsApp, ela fala também com seus pais e irmãos e todos confirmam que ele não tem tempo porque trabalha muito. Alguns meses depois, eles resolveram migrar a relação para a realidade. Ela me contou toda feliz que eles foram ao shopping, depois a um aniversário e… não deram duas semanas e eles se separaram. Não me surpreendeu.
Continuei de olho no fenômeno. Eventualmente, tive algumas experiências com o fenômeno. Comecei a sair com um cara extremamente carinhoso. Desde o início da “amizade”, ele me enviava mensagens de bom dia, bom almoço e boa noite por WhatsApp, entremeadas por outras muitas nos intervalos das refeições. Foi a primeira vez que me vi contagiada pela experiência. Realmente, era uma delícia acordar para suas mensagens e fotos, e devolver uma música da época que mais gostamos, trocar poemas no almoço, etc. A gente caminha com a sensação de ausência total de solidão, porque temos alguém para compartilhar a vida a cada instante.
Apesar de nos vermos também, eu e esse rapaz, ele tinha um problema grave – era comprometido. Em algum momento, eu disse para ele: “Olha, você precisa tomar uma decisão. Ou eu ou ela!”. Enquanto ele pensava no caso, as mensagens de WhatsApp continuaram intactas. Todos os dias, carinhosamente. E eu comecei a me dar conta, então, de que eu corria o risco de estar vivendo um Whatslove!
O que eu vim a cunhar como “Whatslove”, que obvia e ironicamente nos remete à questão WHAT IS LOVE, é esse amor em condições perfeitas que o WhatsApp nos proporciona. Um amor a qualquer hora, mas só na hora que a gente quer e com a opção de sumir de vez em quando (até para viver outro Whatslove). Quer coisa melhor? Sem as demandas do presencial ou mesmo do telefonema, que se impõe na hora que a outra pessoa faz a chamada. Um amor de fotos editadas, em que a outra pessoa está sempre no seu melhor ângulo. Um amor em que conseguimos enfrentar as questões mais sérias com o apoio dos emojis (carinhas tristes ou alegres e coraçõezinhos), sem ter que realmente expressar o que sentimos. Um amor sem cheiros ruins ou falta de assunto. Um amor com trilha sonora memorável.
Whatslove é o amor dos tempos pós-modernos, fragmentado, editável, um amor fácil e gerenciável. É algo tão sedutor que, realmente, dá para entender como alguns até abrem mão do que sempre foi o grande momento do amor – o encontro presencial, mesmo quando isso implica a impossibilidade do sexo. Todas as vivências que são menos gerenciáveis, que podem dar certo ou errado, em que pode chover ou ser entediante, em que um pode brochar ou chorar.
Quando me vi diante dessa possibilidade de ter me tornado o “Whastlove” desse belo rapaz, dei um susto nele. Um belo dia, o bloqueei no Whats. Enviei uma última mensagem carinhosa, dizendo para ele que estava precisando de um tempo para pensar e que preferia conversar com ele apenas por telefone. Fui enfática: “Me ligue a qualquer hora, estarei SEMPRE aqui”. Adivinham o que aconteceu? Ele não ligou.
Durante dois dias, sofri a abstinência de suas mensagens de WhatsApp. No terceiro dia liguei para ele. Ele não atendeu. Enviei um torpedo pedindo para ele me ligar. Ele não ligou. De noite, liguei novamente. Ele não atendeu. Ficou claro que a única forma de acessá-lo era: o WhatsApp. Desbloqueei-o e, como mágica, em dois minutos ele me respondeu. Tinha ficado profundamente magoado, claro. Afinal, eu desativara a aorta do nosso Whastlove. Em outros dois minutos, quase que independentemente do meu pedido de desculpas ou do seu perdão, o sangue eletromagnético voltara a fluir, estava tudo como antes. As mensagens carinhosas e fotinhos surgindo na tela. Praticamente, me esqueci do compromisso dele. O Whatslove é irresistível.
What´s up, minha gente?