Viver bem para gerar um neném!
A obstetra disfarçou, mas sua sentença foi impiedosa e ela derramou os detalhes da minha pena lenta e dolorosamente: “Você vai ter que parar de beber, de fumar e de tomar café; passar a se alimentar a cada três horas (com frutas da estação, legumes cortados ou barrinhas de cereais); eliminar carne vermelha crua e dar adeus a sushis”. Enquanto ela falava, eu tinha a sensação de que os pilares da minha existência estavam sendo eliminados, um a um, e que o colapso da minha pessoa era iminente. COMO ASSIM???????
Parar de tomar café, para um paulistano, é como tirar arroz dos japoneses, o catchup dos americanos, o curry dos indianos, as baguetes dos franceses, a farinha de mandioca dos índios, as salsichas dos alemães, a cassava dos africanos, a parrilla dos argentinos, o guacamole dos mexicanos. Seriamente, é algo que gera uma profunda desestrutura emocional e bioquímica, com graves consequências. A primeira delas, apenas duas horas após o despertar, é a dor de cabeça latejante. Daí em diante, o mal humor, a letargia, o ódio do mundo, o sono mórbido, o pensamento obsessivo com uma xicrinha (só uma!). Vendo que oscilava entre o desmaio e um ataque de pânico, a obstetra concedeu-me a mísera xicrinha de café ao dia (pela qual agradeço-lhe eternamente, mesmo assim) e pude começar a pensar nos outros desafios.
Como manter uma vida social em São Paulo sem beber? É exigir que um amazonense viva sem comer peixe. Que um candango viva sem carro. Que um carioca viva sem praia. Que um gaúcho viva sem chimarrão. A questão não é apenas a falta que a bebida, ou o peixe ou o carro ou a praia ou o chimarrão fará no nosso corpo, mas o deslocamento social que essa restrição implica. Em qual restaurante o amazonense vai almoçar? Onde ficam os pontos de ônibus em Brasília? O que o carioca fará no fim de semana? Qual será a desculpa do gaúcho para conversar com os amigos? Para o paulistano, coitado, com o que sonhar para a noite de sexta-feira ou domingo à tarde? Barzinho com… guaraná? Feijoada com… suco de acerola? Melhor ficar em casa assistindo o Faustão.
Admitindo que seria inevitável decepar minha vida social, comecei a pensar em como fazer para comer a cada três horas. Nem seria um desafio tão grande se o lanche pudesse ser do tipo que se encontra em cada esquina da cidade – pão de queijo, coxinha, empadinha. No entanto, maçãs, kiwis, cenouras e pepinos em tiras, simplesmente não constam nos cardápios dos botecos. Ok, as barrinhas de cereais são uma opção prática, mas eu tenho trauma delas desde que a Gol as adotou como lanche nos aviões. Sou da época em que eles serviam uma refeição completa até mesmo na ponte área para o Rio de Janeiro. Será que vou ter que andar por aí com os cafonéssimos Tupperware na bolsa? Considerei a proibição da carne vermelha mal passada e dos sushis um requinte de crueldade. Selou de vez o fim dos churrascos malfeitos na casa dos amigos e o sushizinho do fim de semana.
Foi difícil, muito difícil. Foi traumático, muito traumático. Eu teria que escrever algumas crônicas ou talvez um romance para descrever como foi difícil e traumático adotar essas pequenas restrições alimentares durante os nove meses de gravidez. Sentar com uma amiga num café e ter que pedir um chá de hortelã é ridículo. Ir ao cinema e ficar esperando a luz apagar para tirar da bolsa um saquinho contendo uvas passas e amêndoas, enquanto todos comem pipoca com guaraná, é patético. Frequentar restaurantes vegetarianos, todo fim de semana, e ter no galetinho assado a aventura gastronômica da semana, é um tédio.
Mas, pasmem, é impressionante como a minha vida melhorou depois desta guinada. Deixei de ter enxaquecas, dores de cabeça e cefaleias, que eram consequência do álcool. Ao parar de comer besteiras, mesmo comendo quase o dobro da quantidade de comida que comia antes, comecei a emagrecer (proporcionalmente, claro). Isso porque alimentos com muita gordura ou açúcar dão grande sensação de saciedade, mas não nutrem nosso organismo. Meu cabelo e pele nunca estiveram tão lindos. Pude realizar o sonho de deixar meu cabelo crescer até a cintura. Bingo. Eu e meu marido deixamos de ir para bares, churrascarias e restaurantes japoneses, mas começamos a ir mais ao cinema e conhecemos restaurantes aos quais nunca teríamos ido. Passamos a dormir cedo e acordar cedo. Meu marido começou a fazer esportes e conseguiu parar de fumar.
Após a revolução total que as singelas normas de alimentação ditadas pela nossa obstetra causaram na nossa vida, apenas uma pergunta rondava (e ainda ronda) a minha cabeça: “Por que não cuidamos tão bem de nós, como nos dispomos a cuidar da nossa neném?”.