Smartpeople e seus smartphones
Todo mundo detesta conversar com alguém que fica olhando no celular o tempo todo. Todo mundo conversa com as pessoas olhando no celular. É uma doença da sociedade moderna, dessas contagiosas, como foi a praga na Idade Média. Você encontra alguém que adquiriu um smartphone e a pessoa está um porre, toda hora olhando no celular, até o dia em que você adquire um smartphone e quando menos espera se tornou também uma pessoa que não consegue mais estar em lugar algum. Passou a integrar a classe de pessoas que estão presentes de corpo, mas com a alma em outro lugar.
Pode parecer exagero ou esoterismo essa coisa de separar corpo de alma, mas é isso mesmo. O corpo da pessoa está ali, mas ela não quer estar ali. Há dentro dela um ímpeto, claramente incontrolável, de olhar regularmente para aquele caixote de plástico repleto de neurotransmissores que a transportam em qualquer minuto para o mundo de uma notícia internacional ou uma mensagem contendo uma oferta de novo trabalho ou, ainda, a cantada de uma paquera que é mais interessante do que a que está no seu entorno.
Antigamente, o jornal chegava pela manhã, liam-se as notícias e depois sabíamos que novas notícias só viriam no dia seguinte. Então, nossa alma descansava do afã de saber as coisas por 24 horas. O carteiro passava em casa uma vez por dia e no resto das horas pouco adiantava ficar olhando pela janela para a esquina de onde ele surgia às 15 horas. Os namorados se ligavam pelo telefone fixo e por mais que ficar em casa esperando telefonema pudesse gerar ansiedade, em algum momento saíamos da casa e vivíamos com o fato de que até a volta não haveria notícias.
Agora, praticamente não há separação entre a notícia e você. A cada segundo, podemos descobrir o que está acontecendo no Oriente Médio, o que aconteceu com Cristiano Araújo e as últimas notícias da Lava Jato. Mensagens de trabalho podem chegar a qualquer hora e a cada segundo que elas não chegam é como se negativas disparassem na sua direção. Com namorados é a mesma coisa… convivemos continuamente com a não ligação, a não mensagem – uma rejeição por segundo. Mesmo quando os smartphones não apitam, as pessoas olham e olham para eles. Desesperadas, verificam se a conexão está estável para ter certeza. Reclamam quando as horas passam e o fluxo regular de mensagens não se mantém.
Por isso, o mundo empalideceu. Hoje, quando você finalmente sai para jantar com sua namorada na Vila Madalena, ou lê a notícia que revelou a causa da morte de Cristiano Araújo ou é notificado que a sua entrevista de emprego será na terça-feira, surge uma sensação de vácuo e você continua engrenado, querendo mais. Mais notícias, mais mensagens, mais qualquer coisa que apite. Você continua precisando verificar o celular a cada instante, para saber… você nem sabe mais o que, mas você precisa e olha. E verifica se a conexão está estável.
Sua namorada, bem ali na sua frente, não parece tão importante como quando suas mensagens produziam apitos constantes de WhatsApp. Ela está presente, falando de algo que parece interessante, “mas puxa, será que as ações da Petrobrás caíram mais? Bem que o Jonas podia me mandar um torpedo, só para eu dar uma olhadinha. Ele não manda, mas puxa, que mal há, vou dar uma zapeadinha”… e você dá… e no próximo instante, sua namorada descansa o haxi e também dá uma olhadinha, então, tudo bem. Ela estava com vontade também. Você aproveita para verificar seu extrato bancário. Tudo bem, ela é como eu. Somos feitos um para o outro.