Pessach não é a Páscoa dos judeus
É natural que as pessoas busquem a compreensão do outro a partir de seus próprios referenciais. Também que, num país que é majoritariamente cristão (mais de 160 milhões) em que haja uma minoria quase irrisória de judeus (cerca de 100 mil), haja pouca compreensão de suas festas e o significado delas. No entanto, pensar que Pessach é a Páscoa dos judeus significa desconhecimento do próprio cristianismo. Afinal, Cristo era judeu e, certamente, comemorou Pessach diversas vezes antes de haver a Páscoa, que celebra a sua ressurreição.
O fato de as datas serem próximas é mera coincidência. Pessach é a comemoração da libertação dos judeus do Egito, onde eram escravos, cerca de 1500 anos antes de Cristo. Liderados pelo profeta Moisés, famílias atravessaram o deserto até o Montei Sinai, para começarem uma vida nova em liberdade. Pode ser que haja alguma conexão mística entre Pessach e o surgimento do cristianismo. Ou que Cristo tenha sido morto na época de Pessach por alguma questão política da época? Mesmo assim, o significado das datas é totalmente independente.
O que a popularização do termo “Páscoa dos judeus” no Brasil (ao que parece isso não ocorre em outros países) faz pensar é no como nos satisfazemos facilmente com verdades simplórias ou, seria dizer, falsas verdades. Alguém algum dia disse algo sobre Pessach e explicou que era a Páscoa dos judeus, então, deve ser isso mesmo. Assim como alguém algum dia falou que o candomblé tem a ver com macumba, então, deve ser isso mesmo. E, claro, todo mundo anda dizendo que os muçulmanos são contra o Ocidente, então, deve ser isso mesmo.
Esse procedimento de formação de opinião, digamos assim, persiste mesmo numa época em que é tão fácil pesquisar tudo na internet. Se jogarmos Pessach e Páscoa na internet, há todos os esclarecimentos possíveis. Candomblé e macumba, o mesmo. Podemos baixar traduções do Corão e lermos os textos sagrados para formar opinião sobre o islamismo. Para não falar no fato de vivermos num país tão multicultural que podemos ir visitar um terreiro, uma sinagoga ou uma mesquita a qualquer dia, o que seria um ótimo passeio cultural para família.
No entanto, muitos preferem regurgitar o que ouviram por aí ou, seria dizer, ecoar o nonsense. O paralelo com a questão política no Brasil atual é inevitável. Quantas pessoas emitem opinião nas redes sociais ou vão para as ruas e nem sabem ao certo no que acreditam? Quantas pessoas realmente se esforçaram para entender o que está acontecendo no Brasil hoje antes de se posicionar? Quantas acharam mais fácil ouvir o que alguém postou e concluir que “deve ser isso mesmo”? Creio que falta em nós postura crítica e disposição para conhecer algumas questões mais a fundo antes de formar opinião, culturalmente.
Então, inspirados na trajetória dos escravos que conseguiram se libertar da escravidão no Egito Antigo, quem sabe não é a nossa hora de nos libertarmos da preguiça mental e da ignorância em que vivemos quando ecoamos ideias aleatórias ao invés de formarmos as nossas próprias, baseadas em informações e experiências concretas? Pelo que diz a história, quando um povo faz isso, os mares se abrem perante eles e uma vida nova torna-se possível na terra prometida. O Brasil precisa desesperadamente de novas e boas ideias para deixar de ser o “país prometido” e materializar-se como país realizado – é esse o deserto que precisamos atravessar.