Os aristocratas estavam certos sobre o casamento!
Bem que dizem que devíamos respeitar os mais velhos ou, ao menos, os mais experientes. Se o casamento realmente surgiu há milênios entre os ricos para propiciar um ambiente seguro para transmissão de propriedade e só na era moderna se tornou popular entre os pobres (e, eventualmente, a classe média) embalados pelo movimento romântico, deveríamos ter tido mais humildade para aprender com os que já tinham essa vivência há séculos. Arrogantes que somos, preferimos tentar fazer o amor romântico sobreviver décadas em apartamentinhos de 60m2 contra todas as evidências. Ou será que não mais?
Tenho me dado conta de que, apesar do imaginário do casamento continuar dominante na mídia e as pesquisas indicarem que todas as mulheres ainda sonham em se casar, vêm surgindo silenciosamente uma gama de arranjos afetivos alternativos. Não falo de esqueminhas de traição burguesa (no pior sentido), do tipo affaires com colegas em viagens de trabalho dentro de quartos de hotéis tão padronizados quando o roteiro banal que cumprem para aliviar as frustrações que trazem na mala de casa. Falo de arranjos criativos e sofisticados que exigem coragem para serem implantados.
O primeiro que me chamou atenção foi o de um casal divorciado há algumas décadas, que convive socialmente de forma amigável na casa dela. Quando os conheci, achei que faziam isso em prol dos filhos e deviam ter seus namoricos, mas depois descobri que eles ainda dormem na casa (e na cama) um do outro quando dá vontade. Quando alguém pergunta, eles reiteram: “Somos definitivamente divorciados!”.
De fato, no âmbito da convivência doméstica, eles ainda brigam e se alfinetam como um casal com vocação para isso. É certamente no âmbito afetivo que há algo a ser preservado. E eles têm sido corajosos o bastante para encontrar um espaço para isso, sem dar a mínima para o que os outros vão achar.
Mais recentemente, reencontrei um amigo que não via há anos. Ele era recém-divorciado na época em que o conheci e muito tristonho. Tinha vivido uma separação traumática e lutava para manter o contato com a filha. Quando me deparei com ele agora, mal reconheci. Estava alegre, mais bonito, bem vestido e, é claro, acompanhado de uma moça muito simpática. Imaginei que fosse sua namorada, mas descobri que não. Meu amigo me contou que ela é casada com um homem que a trai há muitos anos e, então, resolveu assumir uma “relação fixa” com ele (leia-se “uma relação extraconjugal fixa”). Por que ela não se separa? Não sei. Mas isso não parece incomodar a ele e… nenhum dos dois dá a mínima para o que os outros vão achar.
Esses casos me fizeram parar para pensar no assunto e fui me recordando de outros casos semelhantes com os quais me deparei ao longo dos anos. Da bela Luiza, uma agricultora familiar que me hospedou durante uma pesquisa de campo no interior do Nordeste, uma mulher independente que era a “amante oficial” do maior produtor de chuchu da região que, por sua vez, tinha esposa oficial e muitos filhos. Aliás, Luiza também tinha uma filha dele, mas nem pensava em morar junto um dia. “No início eu queria, mas agora eu não quero nem morta. Deixa ela costurar as meias dele, que eu fico aqui com o bom!”.
Revoluções silenciosas me interessam. Antes delas, essas resistências singelas e significativas. Talvez, gradualmente e sem alarde, estejamos nos libertando da influência nefasta que o romantismo teve nas relações entre os homens e as mulheres. Discretamente, as pessoas estão encontrando arranjos conjugais que, por não serem pré-moldados, permitem o espaço da afetividade e convivência na medida certa para cada par… ou trio, ou quadra, ou pentágono. Se este for o caso, sejam bem-vindos os novos aristocratas do amor!