O Fervo da Terra
Uma epopéia que fala sobre os migrantes gaúchos que foram para os estados do norte do Brasil em busca de novas oportunidades. Conflitos que surgiram quando eles se depararam com a “corrida do ouro” nos anos 90, acompanhada da criação de cidades e vilarejos com crescimento desordenado, o que estremeceu o equilíbrio das comunidades rurais e indígenas. Tramas que envolvem relações familiares, ganância do ganho rápido do dinheiro com o ouro, paixões, conquistas morais e suas derrotas, e devastação da natureza.
Nota da autora
Se escrever é a escola do escritor, este livro me trouxe duas grandes lições. A primeira foi compreender que a decisão mais importante do escritor é quem será o seu narrador, porque ele (ou ela) é quem dita o ângulo interpretativo da história. A escolha por Aké foi conceitual, porque em se tratando de uma novela cujo enredo gira em torno da disputa pela terra, eu quis que o narrador fosse o dono original dela, o que estava lá desde o início e viu a “tempestade” em torno dela se formar. Feita essa escolha, nasceu a demanda pela linguagem de Aké, que deu margem ao outro aprendizado. Devido à minha formação no estrangeiro, eu não havia ainda lido Guimarães Rosa quando escrevi esta novela, mas, mesmo sem referencial literário, intui que a história deveria ser contada na “voz cabocla” que eu tanto ouvira pelo Brasil rural, nos anos que trabalhei no Nordeste e na Amazônia. Percebendo que esta voz estava viva em mim, que eu conseguia mimetizá-la, eu me dei a liberdade de nela escrever. Erra quem pensa que Aké “fala errado”. Ele narra num misto de sua língua nativa e um português impregnado de diversas influências. O multilinguismo, na minha opinião, ainda é a principal característica da prosa falada do brasileiro, o que não surpreende quando lembramos que o nheengatu foi nossa língua oficial até 1758. A opção pela “voz cabocla” é muito mais do que um preciosismo – tendo incorporado Aké, eu constatei que muitas coisas que Aké sente e compreende não seriam possíveis em português de norma culta. O multilinguismo é um berço de liberdade e criatividade para ser e escrever. Há um estranhamento? Creio que no início há, mas logo passa. Boa leitura!
Editora Carlini & Caniato
Peso 0.133 kg
Dimensões 13.8 x 20.8 cm
Páginas 96
Edição 1ª
Ano de publicação 2009
ISBN 978-85-99146-78-1
Sobre “O fervo da terra”
Deborah Goldemberg vagou pelos ermos da terra na década inteira em se que dedicou a programas de desenvolvimento sustentável no Norte e no Nordeste. Sua formação antropológica e seu talento literário a tornaram sensível aprendiz da língua do sertão, aquela fala cheia de rebuscamentos e sonoridades de obra de arte. Eco da sonoridade barroca que ficou por aí na fala cantada do povo sertanejo e nas sutilezas do duplo sentido que a caracteriza e que é o seu conteúdo. O que nela importa é a correção das idéias na dialética dos opostos que lhe dá sentido. Língua mestiça, não é por acaso que Aké Panará, dado ainda criança pela mãe indígena desenraizada ao gaúcho Luis de Castilhos para que lhe desse de comer em troca do trabalho que dele pudesse obter, é o narrador desta trama. Aliás, contada como caso num julgamento por homicídio em decadente vila sertaneja. O fazendeiro chegava ao norte do Mato Grosso para ocupar o lote que lhe dera o governo em terra que fora território ancestral de gente como Juruna, o Xavante que ele não era, apelido que o patrão dera ao menino sem eira nem beira. A narrativa de Aké tece a visibilidade da trama de ocultações que enredam a vida de cada um nos liames da tumultuada e violenta ocupação da fronteira. A fala mansa de Aké desenterra do garimpo Peixoto de Azevedo o ouro da ambição sem fim, o equivalente geral que dissolve na desordem o império da ordem. É o ouro que articula os opostos, que dissolve num o que é de outro. Na disputa com o garimpo invasor de suas terras de cultura o gaúcho “repudiava de um lado e se enroscava de outro”. Fazia uma coisa, fazendo outra. Antes de sucumbir como gaúcho empreendedor, testemunha Aké, Luis de Castilhos já conhecia que “era coisa indomável aquele mundo. ‘Como é possível fazer tudo errado e dar tudo certo?’” A terra fervia.
E aos poucos, nos desavessos das mudanças, Aké medita sobre a corrosão do que parecia ser e não era, do patrão Luis tresmudado, no triunfo sutil da desordem, nas acomodações e arranjos que são bem o que o Brasil acaba sendo todos os dias: “é que o inimigo não tira só as nossas terra, ele entra pra dentro da alma nossa”.
José de Souza Martins
Professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas USP. Autor de diversos livros. Ganhou o prêmio Jabuti de Ciências Humanas em 1993 e 1994.
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Fotografias e finalização no Photoshop: Editora Carlini e Caniato