Mulher rendeira
Sabe aquelas feirinhas de artesanato que as paróquias e sinagogas organizam, do tipo quermesse ou feira da comunidade? Aquelas mesmo que você está pensando, meio cafonas, que vendem panos de prato com rendinhas nas bordas? Em que as senhoras de meia-idade ficam papeando atrás das barracas sem dar bola para os poucos clientes que se aventuram? Pois é, acredite ou não, a maternidade me transmutou em uma dessas mulheres rendeiras…
Começou no meio da gravidez, quando eu realizava um tour de capacitações para o fortalecimento da gestão municipal em Mato Grosso e, numa cidadezinha, fui recebida para um almoço na casa do presidente da Câmara dos Vereadores. Em meio às autoridades locais, avistei uma senhora elegante bordando numa cadeira de balanço. Enquanto o secretário de Saúde falava, meu olhar se voltava para o que havia de felpudo no seu colo.
Não resisti e aproximei-me, para me deparar com um parlamento de corujinhas de feltro coloridas. A futura avó me contou que preparava as lembrancinhas para o nascimento da neta e… me apaixonei. Queria igual para minha filha! Quis comprar aquelas ou encomendar, mas fiquei com receio de ofender. As palavras saltaram alucinadas da minha boca: “Como é que se faz isso?”
Em cinco minutos eu estava de agulha em punho aprendendo a fazer corujinhas de feltro, totalmente alheia à festança política. Apesar de eu nunca ter costurado nada vida, não foi difícil. Ela dava os pontos com tal naturalidade e, então, me passava para eu repetir os movimentos e, bem, aconteceu. De longe, o prefeito me olhava com um olhar perplexo, mas eu não consegui nem dar bola. Ela me ensinou os pontos básicos, como funcionavam os moldes (um dos quais eu tirei uma foto com o celular) e me presenteou com uma corujinha-mãe, a matriz de todas as outras que vieram, que apelidei de Heloísa. Foi assim.
Quando voltei para São Paulo, fui direto para a 25 de Março comprar feltros de várias cores, kit de agulhas, tesouras especiais e revistas de moldes. Daí, foi chegar em casa, sentar-me com o apetrecho ao meu redor e… ufa… começar a cortar cuidadosamente os feltros de acordo com os moldes… ufa… escolher a cor das linhas para combinar com o bercinho… ufa… passar a linha na agulha com atenção… ufa… me entregar à arte de perfurar o feltro em intervalos equidistantes cada vez mais firmes… ufa… entre um ponto e outro, sonhar com a chegada da minha neném, com as pessoas vindo festejar na maternidade… ufa…
Esse “ufa” diz respeito à nova forma de respirar que se inaugurou em mim. Fazer corujinhas de feltro é uma atividade relativamente banal, mas que prende a atenção. Algo de pouca (ou nenhuma) importância para o mundo, mas que faria diferença para a minha filha e, assim, me alegrava. Foi algo que teve um efeito calmante em mim, ao estancar a pressão que eu sentia antes, de ter que sempre produzir algo importante para o mundo. Inaugurava-se um estado de espírito inédito. Como se alguém tivesse dito: “Ei, pode parar um pouco. Agora, você pode fazer um bonequinho de feltro para sua filha. Só isso, tudo isso!” Ufa…
Enfim, não sei se as lembrancinhas de corujinhas que fiz ficaram tão cafonas como os artesanatos da quermesse de igreja. Sei que aprendi que o grande barato de ser uma mulher rendeira é o fazer do artesanato. Enquanto se costura ou se borda, quanta coisa passa pela nossa cabeça e quantas reflexões! Rendar é uma forma de rir e sonhar no tempo-presente. O que realmente conta são as horas que passamos fazendo esse “quase nada” para os filhos. Para a mulher moderna, conseguir habitar esse estado de espírito é determinante na maternidade. Uma bela forma de aprender o tempo de ser mãe.