Eu tenho pouco leite…?
Recordo-me da mãe de seios fartos, voluptuosa, sentada na cadeira ao meu lado com uma neném recém-nascida chupetando no colo. Eu olhei para elas e disse: “Que gostoso, né?”. A menininha arregalou os olhos e eu brinquei com ela: “Já mamou na mamãe? Agora vai nanar?”.
Foi a vez da mãe me olhar desanimada e confessar: “Eu tenho pouco leite. Estou tendo que introduzir a mamadeira”. “Pouco leite???”. Eu sabia o significado daquela sentença. Havia acabado de passar por aquilo. E as outras palavras caíram da boca dela, as mesmas que ouvira antes, como se fossem um mantra: “Eu tenho pouco leite. Ela mama, depois chora. Quer mamar em seguida. Eu tenho pouco leite. Preciso dar o complemento…”.
̶ E quem disse que você tem que dar o complemento? – insisti.
̶ O pediatra. A minha mãe. A minha sogra. Minha irmã, minha avó, minha tia-avó, minha bisavó. Minha cunhada. A empregada. A babá. A recepcionista do pediatra, a balconista da loja, a caixa do supermercado, a…
̶ Ah, entendi. Então, sabe o quê? Manda todo mundo à M…! Você TEM leite.
Foi engraçado, porque eu tive tanta certeza de que aquela mãe tinha leite e estava sendo induzida a pensar que não tinha por essas pessoas todas que não compreendem o que é amamentar um neném, que me meti na situação de uma forma meio radical! Sem nem saber o nome dela, eu disse olhando bem nos seus olhos:
̶ Você tem leite. Sua filha só está dando uma espichada. Você precisa beber muita água e dormir bastante para o seu corpo produzir mais leite. É só isso.
Passei tanta confiança, que fisguei seu interesse. Seus olhos brilharam e ela me pediu para explicar direitinho. Eu nunca tinha explicado aquilo para ninguém, na verdade, eu mesma tinha acabado de vencer uma espichada, enfrentando os mesmos olhares derrotistas… até certo ponto, sentia a mesma insegurança que ela, o mesmo medo de estar deixando minha filha passar fome, mas também havia conseguido acreditar em nós, em mim e em minha filha, acreditado na natureza, que o meu corpo havia sido feito para amamentar e o dela para mamar e que, a partir da sua sucção mais forte em intervalos mais curtos eu produziria o leite necessário.
Contei a ela o que aconteceu comigo. Também, que na primeira espichada quase desisti, mas que a enfermeira me explicou que isso aconteceria e, de fato, dois dias depois os corpos se harmonizavam de novo. Era necessário ter fé, beber muita água, descansar e pronto. Nesta hora, minha neném chorou, nos despedimos e até mesmo esqueci da história.
Meses depois, fiquei sabendo por meio de uma amiga que aquela mãe havia conseguido amamentar sua neném exclusivamente até os seis meses. E que ela contava o nosso breve encontro para todo mundo com quem conversava e que, por não saber o meu nome, se referia a mim como “a mãe misteriosa” que sentou ao seu lado um dia e deu confiança para que ela encontrasse seu ponto de equilíbrio com sua filhota.
Um dia a revi na rua, mas não me aproximei. Senti que aquela “mãe misteriosa” da qual ela falava não era eu. Quer dizer, sim, naquela instância fui eu que, ao acaso, me sentei ao lado dela e compartilhei minha vivência. Mas achei melhor não relevar minha identidade, porque melhor seria se “a mãe misteriosa” se tornasse uma lenda como a da “loira do banheiro” ou “curupira da floresta”, daquelas que vai passando de boca em boca disseminando as pequenas sabedorias da vida. Desde esse dia, torço para que, quando houver uma mãe com um neném no colo e as palavras EU TENHO POUCO LEITE na cabeça, outra mãe se sente ao seu lado e conte a lenda que diz aquilo tão simples que ela precisa tanto ouvir.