Dia dos Pais
Viver sob a égide de patriarcado é muito pior do que viver sob o regime capitalista. Esse regime milenar causa mortes lentas e íntimas, que contaminam o que há de potencialmente mais tenro em nós. Algo que, talvez, anteceda as estruturas culturais, que é o afeto. A possibilidade de gostar do outro de verdade, de ter vontade de cuidar do outro porque há identidade.
Assim, eu dedico o meu post de Dia dos Pais aos homens e mulheres que conseguiram criar um modelo mais ou menos igualitário de vida, porque sabemos que a caminhada é longa e árdua. Dedico aos homens e mulheres que conseguiram driblar os estereótipos e se sentirem atraídos por alguém que não cumpre os requisitos do machismo – falo dos homens que não são os “fodões”, mas puderam ser apreciados por suas mulheres. Também, das mulheres que não são as “gostosas” e puderam ser apreciadas por seus homens. Aos homens e mulheres que conseguiram dividir tarefas de geração de renda fora de casa e as tarefas de casa igualitariamente, porque não quer dizer que ninguém é menos porque assume uma ou outra tarefa em algum momento da história alternante do casal. Aos homens e mulheres que, juntos, conseguiram decidir ter filhos (em comum acordo) e depois que eles nasceram conseguiram enfrentar as noites insones sem mimimi, sem subterfúgios, sem apelar para a rede de mulheres da família de um ou do outro, sem teorias idiotas do tipo “os homens não conseguem” ou “eles têm que trabalhar no dia seguinte” ou “o peito é na mulher”. Aos homens e mulheres que conseguiram segurar a barra dos altos e baixos da libido sexual durante o casamento sem apelar para a traição, não por moralismo, mas porque decidiram ficar no “rolê juntos” e porque romper a lealdade magoa, como todo mundo sabe (exceto para os casamentos abertos, claro). Aos homens e mulheres que, igualmente, conseguem deixar os filhos com os avós ou amigos e tirar um tempo para se reencontrarem e curtirem coisas legais juntos, ao invés de os homens fazerem isso sozinhos através do esporte ou viagens.
Dedico este post a esses casais, porque eles representam um futuro possível em meio a uma realidade, ainda, deprimente. Porque a norma, como sabemos no nosso íntimo, é o contrário do que descrevi acima. É a mulher se sentir atraída pelo cara porque ele é o fodão e não porque ele é sensível. O cara se sentir atraído pela mulher que é gostosa e não porque ela é uma boa pessoa ou culta. É os homens se sentirem diminuídos porque ganham menos do que certas mulheres e arregarem ou, no processo do namoro, tentarem inverter o jogo ou se ressentirem ao ponto de se vingarem de outras formas. É as mulheres assumirem as tarefas de casa, porque os homens “não levam jeito”, instalando a dupla jornada. É as mulheres e suas familiares assumirem a maior parte dos cuidados com os filhos, enquanto os homens fingem trabalhar fora para garantir a renda quando, muitas vezes, isso nem ocorre de fato porque elas ganham mais se virando na dupla jornada. Quando ocorre, algo ainda pior, ele se sente no direito de não ajudar em nada, porque, afinal, já o faz fora de casa. É o homem reclamar que as mulheres não querem fazer sexo porque vivem cansadas ou imersas em roupas de moletom e se sentirem no direito de trair porque foram “deixados de lado”. E, assim, as relações vão se degringolando e muita mágoa vai se acumulando.
Este post é baseado em muita observação ao longo dos meus anos de janela, ainda que algumas imagens possam parecer estereotipadas. E estou falando da nossa época mesmo, não de algumas décadas atrás, quando era ainda MUITO pior (e, infelizmente, as épocas ainda coexistem). Quando esses ressentimentos intergênero se transformavam em violência doméstica ou abandono do lar, entre tantas outras coisas. É isso. Século XXI. A mesma merda de cinco mil anos atrás, caminhando lentamente na revolução feminista.