Aldo, o menino negro da escola
Na minha escola, havia o Aldo. Era ele o menino negro da escola particular do Jardim Europa, Zona Sul de São Paulo. Por acaso, ele estudava na minha classe. Era alto e quieto, tinha um sorriso discreto e era bom aluno, mas não me lembro muito mais dele, exceto que ele foi a única pessoa negra com quem estudei na escola.
Anos depois, fui me dar conta do real significado da presença de Aldo naquela classe e na década de 80. Da excepcionalidade de ele estudar ali. Nós, seus colegas de classe, sabíamos que ele era negro, diferente de nós por isso, mas não sabíamos exatamente o que significava ser isso no Brasil. Essa consciência política só me veio na época da faculdade. Depois disso, a felicidade de conhecer e conviver com pessoas negras que ampliaram a minha vida.
Quando tive minha filha, exatos trinta anos depois, uma das características que busquei na escola para ela foi a diversidade. Declamei minha lista de perguntas para 15 diretoras de escolas candidatas e quando chegava essa questão a resposta era unânime: “Temos os filhos dos empregados da escola…”. Eventualmente, uma delas foi sincera: “Não há crianças negras em escolas particulares que cobram essa faixa de preço em São Paulo”.
Diversos fatores contavam na escolha da escola, mas esse era o mais importante para mim e meu marido. Abrimos mão da proximidade de casa e do melhor preço, porque realmente não queríamos que nossa filha convivesse num microcosmo tão discrepante do país em que ela vive. Encontramos uma escolinha que tinha diversas funcionárias negras (nem todas serviçais), suas filhas e muitos alunos estrangeiros: indianos, japoneses e chineses.
Nos fins de semana, desde sempre, frequentamos espaços públicos – parques e museus públicos – evitamos espaços particulares e caros, então, achamos que isso proporcionaria uma vivência complementar. Compramos filmes infantis africanos (Kiriku, A Rainha do Sol, etc.), com temática indígena e afro-brasileira. Acreditamos que, assim, nossa filha teria a oportunidade de conhecer a diversidade do Brasil e do mundo.
No entanto, há alguns meses, percebemos que ela passou a estranhar quando apareciam personagens negros nos filmes. “Por que não quer assistir mais esse, filha?”. Ela nos olhava sem saber ao certo e perguntava: “Por que ela tem a cara preta?”. Minha filha tem apenas três anos. Soube, nesse instante, que fracassamos. Fracassamos como pais, mas principalmente como cidadãos da sociedade da qual fazemos parte. Ela não convive com pessoas negras o bastante, por mais que tenhamos tentado individualmente.
Isso me fez pensar no Aldo, na sua presença. Como será que o Aldo foi estudar na minha escola, na década de 80? Quem seriam seus pais? O que será que ele está fazendo hoje? Quais são suas memórias daquela época? De nós, seus colegas de classe? Será que ele guarda más recordações? Ou é grato por ter podido estudar naquela escola particular e teve boas oportunidades na vida por causa disso?
Aldo, quem sabe você não está lendo isso? É lastimável que trinta anos tenham se passado e a situação não tenha mudado, não é? Ainda é uma raridade ver um menino ou menina negra estudando em uma das escolas particulares de São Paulo, como foi o seu caso. Olha, foi incrível ter tido você lá, mesmo que não tenhamos conversado tanto assim na época.