A Cidade das Mães
Todo mundo já pensou em abrir uma ONG e tem uma dessas até para defender os morcegos de pintas brancas. Minha causa seria a defesa das mães puérperas do descaso da sociedade. Parece besteira, mas trata-se de uma causa absolutamente abrangente, já que 100% da população do mundo tem mãe e, inversamente proporcional a isso, apenas 1% dos empreendimentos comerciais da cidade pararam para pensar nelas. Temendo enfrentar o mundo desajustado lá fora, muitas mães ficam no casulo muito mais do que o necessário.
Começa na porta de casa, porque a porta do elevador já é um desafio. Quem abre? Quem segura? Ela mesma, certo? Na primeira vez, de carrinho em punho, ficará insegura, mas na décima já terá desenvolvido um sistema aerodinâmico semelhante à dos malabaristas de circo, com o qual ela abre a porta com uma mão, segura-a aberta com um dos pés, empurra o carrinho com a outra mão, dá um impulso lateral e, se não cair (nem o neném), empurra-os para dentro do cubículo e se encaixa que nem um faquir entre a porta rolante e o punhal do carrinho. Beleza. Que tal portas com travas automáticas, que a gente pisa e elas ficam abertas?
Chegando ao carro, a partir de quando o bebê passa a pesar sete ou oito quilos, que tal inventar um bebê conforto que não pese extra cinco quilos, tornando o momento de encaixá-lo no banco de trás um pouco mais suave do que o do halterofilismo olímpico? E por que as cadeirinhas fixas que vêm mais tarde são voltadas para frente? Nenhum engenheiro de assentos de neném jamais colocou um neném – estrebuchando – no carro. Ou os que tentaram tiveram uma crise de hérnia de disco e nunca mais voltaram ao trabalho. Exceto, é claro, aquele que desenvolveu aquele modelo que se volta para a mãe e depois para a frente do carro e… claro, custa milhares de reais.
OK, vencidos esses primeiros desafios, a mãe puérpera procura um lugar para ir tomar um café com seu bebê (ou melhor, um chá, já que a cafeína passa para o leite). Um lugarzinho despretensioso, apenas para dar um passeiozinho no meio da tarde e tomar um ar… mas não é tão simples. Escadas uivantes, ventos altivos, ar-condicionado formando estalactites de gelo por toda parte, música estridente… Exagero? Ok, mas de fato a maior parte dos lugares é pouco acessível, barulhenta e muito resfriada. De tantas opções atraentes, a mãe puérpera escolhe um café simplesinho que pelo menos fica no andar térreo e respira ar livre.
Assim que faz seu pedido sente aquele cheirinho – de cocô. Onde ela irá trocar o neném? O garçom chega com o café e ela pergunta se há trocador. O rapaz nem entende a pergunta. Ela explica que precisa trocar a fralda, precisa de uma superfície plana de cerca de um metro quadrado para apoiar um paninho e o neném. Ele nunca ouviu falar. A gerente chega, diz que já ouviu falar, mas que não há esse recurso disponível no momento. Todos olham no entorno para pensar uma solução, talvez as mesas ao lado, mas há clientes comendo. Então, a mãe resolve trocar o neném no carrinho mesmo. Quando termina, seu chá está frio. Pede outro.
Quando vê, é hora de mamar. Ela nem pergunta ao garçom se há um cantinho para as mães amamentarem. Não, isso seria pedir demais. Procura uma mesa mais discreta, ao fundo, mas só há uma ao lado do banheiro. O café é acessível, mas muito aberto e ela sente-se um pouco reticente de amamentá-lo com tanta gente passando na rua. Volta-se de costas para a rua, cobre-se com um paninho e dá de mamar para o neném. O chá quente chega, mas ele vai ter que esperar. É perigoso tomar bebidas quentes com um neném no colo. O garçom nem nota e nem oferece trazer mais tarde. Ela deixa para lá, pois já causou muito transtorno. As pessoas simplesmente não imaginam o que é a dinâmica de uma mãe puérpera.
Então, eis minha causa, singela, mas revolucionária: passar uma lei para que todos os empreendimentos ofereçam um banheiro com trocador e uma cadeira de amamentação para que as mães sintam-se confortáveis em trocar e alimentar seus nenéns. Também, que se produza um manual com dicas para os atendentes destes empreendimentos, como ajudar a mãe a descer degraus com os carrinhos, oferecer para baixar o ar condicionado e a altura do som quando houver neném dormindo. Radical? Bem, somos apenas 100% da população que já foi ou terá um neném um dia. Não devíamos ser lembradas?